domingo, 31 de maio de 2015

Escravos prosperavam comprando negros, mas eram esnobados pela elite



BRAGA, Portugal — Quando Manoel Joaquim Ricardo morreu, em 1865, tinha 27 escravos, três casas e uma senzala. Era um dos dez homens mais ricos de Salvador. É um grande feito, ainda mais considerando que Manoel era negro e vivia em um país ainda escravocrata.

Em 1841, antes mesmo de ser alforriado, Manoel já era dono de seis escravos. Estendeu sua rede de negócios até a África. Lá, ele e seus sócios trocaram correspondência sobre seu sucesso na importação de “noz de cola” — segundo autoridades britânicas, este era um código para “escravos”. Embora o tráfico negreiro ainda não tivesse sido abolido, a opinião pública era cada vez mais resistente ao trabalho forçado dos negros.

— Mais de 600 escravos eram donos de escravos no Nordeste — revela João José Reis, professor da Universidade Federal da Bahia. — Esta prosperidade estava ligada ao tráfico negreiro. Quando havia grandes desembarques nos portos brasileiros, o preço deles diminuía e permitia a inclusão de pequenos investidores no mercado. Manoel e outros libertos compravam preferencialmente mulheres, que lhes davam crias.

Professor de História da Unifesp, André Roberto de Arruda Machado destaca que a relação entre os negros era desigual.

— Os escravos não formavam apenas um corpo. Havia uma hierarquia evidente entre os escravos nascidos aqui e aqueles que vinham da África. O primeiro grupo se recusava a fazer algumas tarefas, que deveriam ser deixadas aos estrangeiros — lembra.

Mesmo acumulando riquezas e escravos, Manoel nunca obteve reconhecimento na sociedade baiana.

— Com a hostilidade e a negação do africano liberto, perdemos a chance de ter uma elite negra — lamenta Reis. — Os africanos eram trazidos para cá em fétidos tumbeiros e não poderiam ver o Brasil como uma terra de oportunidades. Apenas procuravam se dar bem dentro do possível, e esse possível às vezes surpreende.

Fonte: O Globo