Nesses dias em que se
comemora a Semana da Consciência Negra recordo de três pessoas simples de Parnaíba,
bons cidadãos, que aos olhos de hoje bem que poderiam ilustrar este movimento
de reivindicações coletivas das chamadas minorias e que foram ainda na minha
infância peças importantes de referência. Cada um ao seu tempo e espaço deu a
contribuição necessária pra que o mundo e as suas instituições chegassem ao
momento de hoje. E olhando neste momento suas vidas e dando sentido ao que
fizeram é fácil compreender o papel de cada uma.
Tomásia dos Santos era
nossa vizinha da rua James Clark, no bairro de Fátima. Mulher de João Batista
dos Santos, ele da segunda geração da dinastia dos negros macaés, região do
Testa Branca, onde hoje é o bairro Catanduvas. Teve uma penca de filhos entre
homens e mulheres. Era agregada da família Bompet, lá de dentro da rua, era
assim como se chamava naquele tempo quem morava no centro, os considerados
ricos. Exímia doceira, Tomásia tinha uma clientela fiel entre os seus antigos
patrões ou os Athayde, os Santos, Lustosa Nogueira, Veras e os Machado. Sua
fama ultrapassou as fronteiras da Parnaíba até mesmo quando já não mais mexia
nos tachos de cobre.
Conta a história e
canta a lenda que Getúlio Vargas quando visitou Parnaíba, hóspede de João
Orlando de Moraes Correia, entre uma audiência com os figurões da cidade
promoveu uma rápida fuga até a cozinha e lá encontrou na mesa uma compoteira
com o melhor da produção de negra Tomásia. O presidente não teve cerimônia de
abrir aquela peça de vidro, provar do doce e sair lambendo os dedos. Soube dona
Tomásia preservar sua simplicidade e intimidade. E somente saiu dela depois de
morta quando o Bloco Macacau anos depois lhe prestou homenagem, mais que
merecida. Bem que poderia o pequeno trecho da rua em que morou e fez fama
receber hoje o seu nome.
O maestro Almir Araújo,
ilustre morador da rua Francisco Severiano, não foi praticamente um negro. Era mais
pra pardo, mas tinha o pé cinzento. Mas era músico genial. Amigo de grandes
artistas nacionais. Compunha feito ninguém tendo sido praticamente um dos
fundadores da Banda Municipal pra onde entrou ainda rapazinho aos dezoito anos.
Sua obra mais falada e praticamente esquecida é a valsa Dois de Abril,
infelizmente perdida após sua morte, assim como toda a outra memória
fotográfica e outros documentos. Sua morte em 1966 trouxe uma multidão de gente
pra pequena casa do bairro de Fátima. Ganhou quando muito uma rua pequena no
bairro do Carmo com seu nome.
Mas é em Custódio
Amorim que os negros parnaibanos vão encontrar pra história seu momento mais
solene. Onegro legítimo, desses do pé cinzento, líder sindical depois tendoassento
na Câmara Municipal por vários mandatos. Era um articulador nato e esteve
sempre no meio das grandes decisões e ao lado dos ditos parnaibanos de sangue
azul. Tão importante e tão desimportante pra nossa história ao mesmo tempo.
Lembro que por ocasião a vinda de Garrastazu Médici pra inauguração do
Polivalente em 1973, Custódio, cheio de coragem, mandou horas antes afixar uma
faixa cumprimentando o visitante em nome dos parnaibanos e de seus liderados.
Antes que o general entrasse na avenida São Sebastião vindo da praça da
Lagoinha e descesse do carro a faixa foi violentamente retirada. Foi tão
desimportante pra história que, sendo presidente da Câmara Municipal o vereador
Paulo Evangelista, também negro, amigo e confidente de Mão Santa, deu nome a um
anexo daquela casa com direito a até fotografia e nome na parede. Mal acaba o
mandato de Paulo Fofoca e o sucessor minimiza o feito, manda pintar a parede
onde estava o nome do negro. O retrato, esse, certamente foi parar nalgum
armário nos fundos do prédio pra depois ganhar o rumo do lixo.
Por: Pádua Marques