BRASÍLIA - Os ministros do Supremo Tribunal Federal
derrubaram, nesta quinta-feira, o rito adotado pelo presidente da Câmara, o
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no processo que pode afastar a presidente
Dilma Rousseff. Foram sete votos contra a participação de uma chapa avulsa e
cinco contra a eleição secreta. O plenário do STF também decidiu, com oito
votos, que caberá à Câmara autorizar a abertura do processo, mas quem decide
sobre a instauração do impeachment é o Senado. Somente, então, caso o Senado
decida abrir o processo, a presidente Dilma Rousseff será afastada. Os
ministros entraram em consenso sobre a questão da defesa prévia. Foram 11 votos
contra o argumento de que Dilma deveria apresentar defesa antes mesmo da
admissibildiade do processo.
Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux,
Carmen Lúcia e Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandoski divergiram do relator,
Edson Fachin, que teve o apoio de Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Além do papel do Senado, os ministros do STF discutiram, nesta quinta, 11
pontos sobre o rito do procedimento.
Segundo Barroso, Teori, Rosa Weber, Fux, Carmen Lúcia, Marco
Aurélio e Celso de Mello, o Senado tem legitimidade para rejeitar o processo,
mesmo depois da admissibilidade pela Câmara dos Deputados.Os ministros usam
como argumento o rito adotado durante o impeachment do ex-presidente Fernando
Collor, em 1992.
BARROSO DIZ QUE COMISSÃO NÃO VALE
Primeiro a apresentar seu voto, o ministro Luís Roberto
Barroso pediu a invalidação da comissão especial criada pela Câmara dos
Deputados. Segundo ele, a votação deve ser aberta e os integrantes da comissão
devem ser indicados pelos líderes partidários, ao contrário do que foi feito
pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Barroso também defendeu que
a presidente só seria afastada depois que o Senado aceitasse a denúncia por
maioria simples. O Senado, poderia, inclusive, barrar o processo.
Ministro Luís Roberto Barroso divergiu do ministro Fachin -
Givaldo Barbosa / Arquivo O Globo
— Senado não deve ser mero carimbador de papéis da Câmara
dos Deputados — disse Barroso.
Para Barroso, a Câmara apenas autoriza a instauração do
processo de impeachment, por maioria qualificada (dois terços do plenário),
após análise da comissão especial de impeachment, e não tem poder de afastar a
presidente da República. O afastamento é responsabilidade do Senado. Cabe ao
Senado, no entendimento de Barroso, fazer três votações. Na primeira, a maioria
simples (metade mais um dos senadores) aceita a denúncia, o que provocaria o
afastamento da presidente por até 180 dias. Na segunda votação, também por
maioria simples, o Senado faz a pronúncia da presidente (acusação formal). A
terceira votação se dá por dois terços do Senado, segundo Barroso, e julga a
presidente definitivamente. Por fim, o ministro apontou motivos para se opor a
votação secreta e candidaturas avulsas para a comissão especial do impeachment
na Câmara.
O voto contrariou a posição do relator, Edson Fachin, que
havia sustentado que o Senado não poderia reformar a decisão da Câmara.
— Seria incoerente o Senado funcionar como carimbador de
papeis para dar execução a determinação da Câmara dos Deputados. Atos muito
menores como derrubar um veto do presidente depende da aprovação das duas
casas. Algo muito mais grave, como o afastamento da presidente, não dependeria?
— disse o ministro Barroso.
SENADO PODE BARRAR PROCESSO, DIZEM MINISTROS
Ao contrário de Barros, o ministro Teori Zavascki, o segundo
a votar nesta quinta, acompanhou o voto de Fachin sobre a votação secreta, mas
rejeitou a possibilidade de haver uma chapa avulsa na eleição da Câmara. Assim,
o rito de Eduardo Cunha seria invalidado, e uma nova eleição deveria acontecer.
Em seguida, a ministra Rosa Weber acompanhou o voto de Luís
Roberto Barroso. Para ela, o Senado pode barrar uma decisão vinda da Câmara.
Rosa também disse que a votação para escolha dos integrantes da comissão do
impeachment deve ser aberta. Além disso, concordou que eles devem ser indicados
pelos líderes partidários, não podendo haver candidaturas avulsas, como ocorreu
na Câmara.
— No que tange à nova arquitetura trazida ao processo de
impeachment pela Constituição de 1988, distinguindo o juízo feito pela Câmara
dos Deputados, de mera admissibilidade, meramente autorizativo, que a meu juízo
não vincula o Senado Federal. Na verdade, a Câmara abre a porta, permite o
ingresso. Não tem força para impor o ingresso. Hoje, o Senado é a casa a que
cabe o processamento e o julgamento do impeachment. Nessa ótica, a Câmara
apenas autoriza. Esse me parece ser o ponto central — disse Rosa.
O ministro Luiz Fux também concordou de forma integral com o
voto feito por Barroso. Segundo ele, o STF já se pronunciou sobre o assunto
após a Constituição de 1988. Ele defende que seja seguido o rito adotado no
processo de impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992,
pois mudar as regras agora geraria insegurança jurídica.
Fux fez apenas uma ressalva sobre o rito. No caminho
defendido por Barroso, a presidente seria afastada caso a maioria simples do
Senado (maioria mais um) aceitasse a denúncia feita pela Câmara. Fux argumenta
que essa votação deveria ser por maioria qualificada (dois terços dos
senadores):
— Entendo que devemos manter o rito do presidente Collor
para efeito de segurança jurídica. Mas o afastamento (da presidente) por
maioria simples ressoa ilógico, tendo em vista quórum da Câmara por dois terços
para autorizar processo.
Assim como Barroso e a ministra Rosa Weber, Fux também
defendeu o voto aberto na eleição da comissão especial do impeachment na Câmara
dos Deputados:
— Mistério, segredo e democracia não combinam. Não havendo
regra (sobre votação secreta), há de se prevalecer a Constituição, que
privilegia o conceito de publicidade.
DIAS TOFFOLI E GILMAR MENDES VOTAM COM RELATOR
O ministro Edson Fachin no Plenário do STF - Ailton de
Freitas / Agência O Globo
O ministro Dias Toffoli declarou, logo no início de sua
apresentação, que acompanha, de maneira integral, o voto do relator, Edson
Fachin, opinando, portanto, por manter o rito adotado pelo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha. Toffoli afirmou que não encontra argumentos a favor do
voto aberto na eleiçõs das comissões, seguindo, assim, o regimento das Casas.
Ele disse, ainda, ser favorável à chapa avulsa.
— Nós estamos tirando o poder dos deputados de se
candidatarem. Vai ter deputado de primeira classe e de segunda classe. Nós
estamos interferindo na liberdade de qualquer deputado se candidatar a uma
comissão. Nós estamos interferindo em outro poder (o Legislativo) — disse.
A ministra Cármen Lúcia, a sétima a votar, acompanhou o
ministro Barroso na divergência do voto do relator, Edson Fachin. Com isso, o
plenário chegou a cinco votos pela possibilidade de o Senado arquivar o
processo de impeachment. Ela também votou contra o voto secreto e a candidatura
avulsa na eleição de integrantes da comissão do impeachment na Câmara.
Em seguida, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto de
Fachin. Durante seu voto, ele fez críticas ao governo federal e disse que se o
Supremo decidir pelo voto aberto na comissão especial de impeachment estará
"manipulando" o processo. Mendes foi favorável, portanto, ao voto
secreto, às candidaturas avulsas e a um rito do processo em que o Senado não
pode barrar o processo aprovado por dois terços da Câmara dos Deputados.
— Estamos ladeira abaixo. Fomos desclassificados por mais
uma agência (de risco) ontem. (Estamos) sem governo, sem condições de governar,
com modelo de fisiologismo que nos enche de vergonha e sem capacidade de
retomar — afirmou Mendes.
Ao rebater o argumento defendido pelo ministro Luiz Barroso
de que os integrantes da comissão especial do impeachment na Câmara Federal
deve ser por voto aberto e por meio da indicação dos líderes dos partidos,
Mendes afirmou que isso representaria "manipulação":
— O que estamos dizendo é que cabe a uma oligarquia escolher
os representantes (da comissão). Estamos manipulando esse processo com eficácia
próxima de zero, senão zero. Ninguém vai cessar (processo de impeachment) por
interferência do Judiciário. Se (o presidente) não tiver base parlamentar, não
resiste.
Ao final de seu voto, Mendes pediu licença para deixar a
sessão antes do fim do julgamento, pois iria viajar, sem revelar o destino.
Marco Aurélio Mello foi o sexto ministro a divergir do voto
do relator sobre o papel do Senado e a existência de uma chapa avulsa. Assim, o
plenário do STF atingiu maioria contra o rito do presidente da Câmara no
processo que pode afastar Dilma. Marco Aurélio disse, também, que nada
justifica o voto secreto, seguindo, portanto, a opinião de Barroso, Rosa Weber,
Luiz Fux e Carmén Lúcia.
MARCO AURÉLIO PREVÊ DIVERGÊNCIAS
Antes do início da sessão de quinta, o ministro Marco
Aurélio Mello previu divergências no plenário da corte em relação a algumas
regras do processo de impeachment.
— Vamos ter divergências em alguns pontos: Senado, voto
secreto — afirmou Marco Aurélio.
Na quarta-feira, o relator, ministro Edson Fachin,
apresentou ao plenário da corte uma proposta de rito para o processo de
impeachment contrária aos principais interesses do governo. Ele declarou, por
exemplo, que, uma vez aberto pela Câmara, o processo não pode ser arquivado
logo que chegar ao Senado. O governo quer que o Senado tenha o poder de barrar
uma eventual decisão da Câmara, o que, na prática, tornaria mais difícil o
afastamento de Dilma do cargo.
Fachin também se mostrou favorável à possibilidade de usar o
voto secreto para eleger os integrantes da comissão do impeachment na Câmara.
Isso tornou mais fácil a ocorrência de traições ao governo, resultando na
eleição de uma maioria oposicionista para compor a comissão.
— Voto secreto é exceção — disse Marco Aurélio, sem
detalhar, contudo, se o caso em discussão é regra ou exceção.
Fonte: O Globo